quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Arquivos Paroquiais - Salvaguardar porquê?

Os nossos arquivos estão cheios da providência de Deus
Papa João Paulo II

   A Igreja, na sua actividade pastoral, cumprindo a ordem de seu Divino Fundador, tem, através dos séculos, devido à sua actividade nas dioceses e paróquias, acumulado um grande património documental importante para a memória dos povos e culturas aos quais tem levado sua mensagem salvífica. 

   Alguns documentos da Igreja tem demonstrado a preocupação da mesma com a preservação deste rico acervo que muitas vezes diz respeito não só à história eclesiástica, mas informam, também, sobre a memória das freguesias, cidades e países. Entre os documentos emanados da Santa Sé, temos a Constituição Apostólica Pastor Bónus, de 28 de Junho de 1988, que criou a Pontifícia Comissão para a Conservação do património Artístico e Histórico da Igreja, e também o Motu Proprio Inde a Pontificatus Nostri initio, de 25 de Março de 1993. 

   Portanto, a Igreja, consciente da responsabilidade que lhe cabe na preservação deste bem documental, tem os arquivos como lugares da memória das comunidades cristãs e factores de cultura para a nova evangelização. 

   Esta documentação, no pensamento da Igreja, é um património para ser transmitido e utilizado, por isso ela vela sobre esta riqueza cultural e dispõe sobre ela também no Direito Canónico, que é o conjunto de normas e leis que regem a Igreja Católica, aplicáveis a todos os seus baptizados e aos que dela não se separaram formalmente. 

   O património cultural é definido pela Convenção sobre a Protecção do Património Mundial como o conjunto de bens de valor (ou interesse) artístico, histórico, paleontológico, arqueológico, etnológico, científico ou técnico, documental e bibliográfico, ou como acervo formado por monumentos, conjuntos e lugares de valor histórico, artístico, científico, estético, etnológico ou antropológico. 

   Seguindo estes conceitos, o Património Cultural da Igreja poderia ser definido como o acervo de bens de valor artístico, histórico, paleontológico, arqueológico, etnológico, científico ou técnico, documental e bibliográfico de titularidade eclesiástica, com finalidade religiosa, quer directa, quer eventualmente indireta. 

   Desta forma, o Património Cultural da Igreja poderia ser dividido em cinco classes: 

1 - Património Monumental (constituído por bens tanto imóveis como móveis, como os templos e as imagens sacras); 

2 - Património Documental (constituído por documentos e arquivos); 

3 - Património Bibliográfico (constituído por Bibliotecas, quer maiores, quer menores); 

4 - Património Arqueológico (constituído por bens móveis e imóveis susceptíveis de serem estudados por métodos arqueológicos); 

5 - Património Etnológico (constituído por bens móveis e imóveis, e pelos conhecimentos e actividades que são ou foram expressão relevante da cultura tradicional do povo, nos seus aspectos materiais, sociais ou espirituais. 

   O Código Canónico, porém, se refere apenas às três primeiras categorias: Património Monumental; Património Documental; e Património Bibliográfico. Abordaremos aqui apenas o acervo relacionado ao 
Património Documental. 

Património documental da Igreja

Quando nos referimos a património documental da Igreja, devemos ressaltar que nos referimos não apenas a documentos escritos em suporte papel, mas também à documentação iconográfica, áudio-visual, multimédia. 

A Igreja dá grande importância à documentação por ela produzida, principalmente à documentação das dioceses e paróquias, a respeito da qual trata o Direito Canónico, normalizando que a documentação seja custodiada com diligência e responsabilidade. 

O actual Código de Direito Canónico, promulgado em 1983, no cânon 535 parágrafos de 1º ao 5º dispõe da maneira seguinte acerca dos livros paroquiais: 

§ 1 - E cada paróquia, haja os livros paroquiais, isto é, o livro de baptizados, de casamentos, de óbitos, e outros, de acordo com as prescrições da Conferência dos Bispos ou do Bispo Diocesano; cuide o pároco que esses livros sejam cuidadosamente escritos e diligentemente guardados. 

§ 2 - No livro de baptizados seja anotada também a confirmação, como ainda o que se refere ao estado canónico dos fiéis, por motivo de matrimónio, salva a prescrição do cân. 1133, por motivo de adopção, de ordem sacra recebida, de profissão perpétua emitida em instituto religioso e de mudança de rito; essas anotações sejam sempre referidas na certidão de baptismo. 

§ 3 - Cada paróquia tenha o próprio selo; as certidões que se dão a respeito do estado canónico dos fiéis, como também os actos que podem ter valor jurídico, sejam assinados pelo pároco ou por seu delegado e munidos com o selo da paróquia. 

§ 4 - Em cada paróquia haja um cartório ou arquivo, em que se guardem os livros paroquiais, juntamente com as cartas dos Bispos e outros que devem ser conservados por necessidade ou utilidade; tudo isso, que deverá ser examinado pelo Bispo Diocesano ou seu delegado na visita canónica ou em outro tempo oportuno, o pároco cuide que não chegue a mãos de estranhos. 

§ 5 - Também os livros paroquiais mais antigos, sejam guardados diligentemente, de acordo com as prescrições do direito particular. 

O Código de Direito Canónico contempla os seguintes arquivos: 

- Comum (c. 486) 
- Secreto (c. 489) 
- Histórico (c. 491 § 2) 
- o das Igrejas Catedrais (c. 491 § 1) 
- o das colegiadas; 
- o das paróquias e outras Igrejas do território (c. 491 § 1) 
- o das fundações (c. 1306 § 2) 
- o dos institutos de vida consagrada, sociedades de vida apostólica e institutos seculares; 
- o de outras instituições seculares; 
- o das Conferências Episcopais. 

Interessa-nos, aqui, os arquivos paroquiais. Cada paróquia deve constituir o seu próprio arquivo onde será guardada a documentação paroquial produzida e recebida. Neste âmbito, devem integrar o arquivo paroquial os livros: 

- de baptizados, 
- crisma
- de casados ou matrimónio, 
- de óbitos, 
- do tombo, 
- rol de confessados ou desobriga, 
- de inventário dos bens, 
- de actas de erecção da paróquia, da dedicação ou bênção da Igreja, bem como do cemitério, se houver, 
- o livro "peculiar" de missas (com o número delas, encomendantes, celebração realizada), 
- o livro das fundações com suas respectivas escrituras com as anotações dos ónus e dos seus cumprimentos, 
- inventário ou índice das actas e documentos contidos no próprio Arquivo, 
- catálogo de todos os livros; documentos episcopais, quais sejam: cartas dos Bispos, circulares, sinodais, boletins oficiais, breves e outros muitos documentos que devido a sua necessidade e utilidade precisam ser conservados. 

   No que respeita aos livros paroquiais (principalmente os de baptismo, casamento e óbitos) tem eles grande importância social e histórica. É sabido, que antes da proclamação da República, em 1910, e a criação dos registos civis, era a Igreja que se encarregava do registos identitários da população. Esses registros demográficos, contidos nos livros de baptizados, casamentos e óbitos anteriores à Proclamação da República, têm valor jurídico. Nesse sentido, a Lei nº 8.159, de 08 de janeiro de 1991, dispõe que os registros civis de arquivos religiosos e entidades religiosas produzidos anteriormente à vigência do Código Civil, ficam identificados como de interesse público e social. 

   O Código de Direito Canónico, ainda que indiretamente, no cânon 535, parágrafos 1º e 2º, dispõe do cuidado que se deve ter na elaboração dos registros e documentos. É o que em arquivística se denomina gestão documental, ou seja, conjunto de medidas e rotinas visando à racionalização e eficiência da criação, tramitação, classificação, uso primário e avaliação de arquivos. Eles devem ser padronizados, consolidando-se os elementos essenciais que deve conter um registro documental, visando a perfeita compreensão e interpretação do conteúdo; e deve-se contribuir para que os documentos surgidos sejam os essenciais à administração e vida da paróquia, evitando-se a duplicação e emissão de vias desnecessárias. 

   Neste particular é bom compreendermos como se dá o ciclo vital dos documentos. Nós sabemos que os documentos nascem, realizam a finalidade para a qual foram criados, alguns morrem e outros são guardados permanentemente. Na arquivística denominamos isto de Teoria das Três idades: Arquivos correntes, intermédio e permanente, vulgo 'morto'. 

   O Arquivo Corrente é caracterizado pela fase activa dos documentos que ainda estão ligados às actividades de que se originaram; conservam-se próximos dos órgãos a que servem, sejam eles responsáveis pelas actividades-fim ou pelas actividades-meio da instituição, discriminadamente, as atividades-fim, o conjunto de encargos desenvolvidos por uma instituição para o desempenho de suas competências específicas e as atividades-meio, o conjunto de encargos desenvolvidos por uma instituição para auxiliar e viabilizar o desempenho de suas competências específicas. 

   O Arquivo Intermédio é composto por documentos menos utilizados pelos órgãos de origem e já avaliados quanto a sua destinação final; os documentos nesta fase aguardam em depósitos temporários o cumprimento dos prazos estabelecidos para sua eliminação ou para envio ao arquivo permanente. 

   Estes prazos são dados pela tabela de temporalidade que é o instrumento de destinação, aprovado pela autoridade competente, que determina prazos para transferência, recolhimento, eliminação e mudança de suporte de documentos. 

Ao Arquivo permanente ou histórico, chegam os documentos aos quais se atribuiu, na avaliação, a devida relevância, seja para a comprovação de direitos, seja para a pesquisa, e documentos cujas informações são consideradas imprescindíveis para o órgão de origem e para a comunidade que justificou sua existência. 

O acesso à documentação do arquivo paroquial
Segundo o Cânon 487, § 2, todos os interessados têm direito a cópias autênticas, escrita ou fotocopiada, dos documentos que, sendo públicos por sua natureza, dizem respeito ao seu estado pessoal. 

Por sua vez, os titulares do bem documental estão obrigados a permitir e facilitar a pesquisa aos interessados, desde que sejam respeitadas as normas canônicas. Assim, a Igreja no afã de preservar a memória paroquial tem a responsabilidade de velar pela documentação e sua utilização correta, e procurar contribuir com a investigação e o conhecimento do passado. 

A Igreja como detentora do bem documental possui a competência exclusiva de estabelecer as regras para o manuseio da documentação, sendo amparada pela lei civil do Estado Português que garante a inviolabilidade destes arquivos. Neste sentido, existem algumas restrições à pesquisa e consulta, restrições estas que visam o bem comum e individual, o que demonstra o cuidado pastoral da Igreja frente à criação de inconvenientes. 

Alguns documentos há que o prazo estabelecido para a consulta pública se dá após setenta e cinco anos. Outros documentos, a juízo do Bispo Diocesano, do cabido, do pároco ou arquivista, podem ser consultados em menor prazo. 

   Os registos sacramentais poderão ser examinados sem limites de datas. Documentos de carácter privado e reservado que se refiram a pessoas, famílias ou a entidades não se podem consultar sem prévia autorização explícita dos envolvidos.

   Para facilitar a consulta nos arquivos paroquiais, é bom que se criem instrumentos de pesquisa (índices e inventários) o que abreviará o tempo de procura do que se quer encontrar, ao mesmo tempo que permitem uma melhor conservação dos documentos, restringindo-se o manuseio dos mesmos. 

   Finalizando, lembramos que todo o cuidado da Igreja com a documentação por ela produzida tem, na verdade, uma finalidade pastoral, preservando para a posteridade a materialização documental que criou no exercício militante de evangelização. Não foi outro o pensamento do Santo Padre Paulo VI quando, em 1963, falando aos arquivistas eclesiásticos disse que a salvaguarda e preservação de nossos arquivos é prestação de culto a Jesus!

(adap. do brasileiro: António César Caldas Pinheiro, Abril/2006)
Património Documental (sítios online):


ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo

SGMF - Secretaria Geral do Ministério das Finanças
Inventários de todas as Paróquias e igrejas em 1911

BNP - Biblioteca Nacional de Portugal

CESAREIA - As Bibliotecas e o Livro em Instituições Eclesiais Nacionais


BIBLIOGRAFIA (Brasil)
A Função Pastoral dos Arquivos Eclesiásticos. Carta Circular da Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja. Cidade do Vaticano, 1997.
Código de Direito Canônico. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivos Permanentes: tratamento documental. 2 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, p. 256.
BELLOTTO, Heloísa Liberalli, CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Dicionário de Terminologia Arquivística. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1996.
FONTES, Paulo F. O, ROSA, Mª. de Lurdes. Arquivística e arquivos religiosos: Contributos para uma reflexão. Centro de Estudos de História Religiosa/Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2000.
PAES, Marilena Leite Paes. Arquivo: Teoria e prática. 3 ed. ver. ampl. reimp. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002.
ZANI, Pe. Rubens Miraglia. Organização de Arquivos para Institutos Religiosos Femininos. (Apostila do Curso de Organização de Arquivos de Congregações Religiosas Femininas, 04 a 08 de julho de 2005, no Centro Universitário Assunção, São Paulo - SP).
ZANI, Pe. Dr. Rubens Miraglia. O Direito Canónico e Património Cultural da Igreja. (Palestra proferida no Seminário sobre os Bens Culturais da Igreja em São Paulo, 10-09-2001.) 

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